História da Copa do Mundo de 1994

EUA, 1994 – O tetracampeonato brasileiro

A penúltima Copa do século teve como sede os EUA. Na tentativa de apagar a imagem negativa deixada pela Copa de 1990, o país sede, pouco tradicional neste esporte, procurou suprir com investimentos em tecnologia o pouco interesse que seu povo demonstrava pelo futebol. Dessa vez o número de inscritos voltou a aumentar, sendo um total de 147 para esta Copa. Presentes, novamente, 24 seleções: Argentina, Brasil, Bolívia e Colômbia, pela América do Sul; EUA e México, pela Concacaf; Coreia do Sul e a estreante Arábia Saudita, pela Ásia; Camarões, Marrocos e a estreante Nigéria, pela África; Alemanha, Bélgica, Bulgária, Eire, Espanha, Holanda, Itália, Noruega, Romênia, Rússia, Suécia, Suíça e a estreante Grécia, pela Europa. Foram 3 estreantes, 6 seleções que retornaram após a ausência em Copas anteriores e 15 seleções que participaram de forma consecutiva.

Antes dessa Copa, dois países haviam sofrido mudanças político-geográficas: as Alemanhas Ocidental e Oriental haviam se reunificado, tornado-se, novamente, apenas Alemanha; A URSS, sofreu a divisão de suas repúblicas, cabendo à Rússia, principal república do bloco, prosseguir a história da extinta URSS. A europeia Noruega igualava maior o jejum entre Copas estabelecido pela seleção do Egito, na Copa passada, ao ficar ausente por 56 anos ou 11 torneios, lembrando que os anos de 1942 e 1946 não tiveram Copas.

Esta penúltima Copa do século, foi, porém, a última a abrigar 24 selecionados, seguindo os mesmos moldes de 1986 e 1990. Para a Copa seguinte, em 1998, na França, a FIFA decidiu pelo aumento do número de participantes para 32 seleções.

O Brasil, comandado por Carlos Alberto Parreira e pelo auxiliar técnico, Mario Jorge Lobo Zagallo, técnico campeão em 1970, tinha em sua linha um elenco razoavelmente forte, porém, segundo cronistas, mal comandado. Durante a eliminatória, a seleção foi vítima de sua primeira derrota em eliminatórias. Jogando em La Paz, contra o fraco selecionado boliviano, perdemos por 2 x 0. Acabamos a eliminatória em primeiro lugar no grupo, a frente da própria Bolívia, que voltava a disputar uma Copa depois de 44 anos e 10 Copas, já que sua última disputa foi no Brasil, em 1950. Conseguimos nossa classificação no último jogo, contra o Uruguai, desclassificado pela derrota imposta pelos brasileiros. O jogo, aliás, tomou ares de assombro por se realizar no dia 16 de julho, no estádio do Maracanã, dia e local onde, 43 anos antes, perdíamos a final da Copa do Mundo de 1950 para o mesmo Uruguai. O fantasma, porém, foi exorcizado pelo atacante Romário, que fez os dois gols da vitória brasileira.

Entrávamos na Copa sem termos total favoritismo. A atual campeã, a seleção alemã, a forte seleção holandesa, a surpreendente seleção colombiana, que despachou a Argentina para a repescagem em plena Buenos Aires após um humilhante 1 x 5, a seleção espanhola, campeã olímpica de 1992, entravam como candidatas ao título.

O Brasil encabeçou em um grupo razoavelmente forte, com Rússia, Suécia e Camarões. No primeiro jogo, o Brasil enfrentou a seleção russa naquele que marcou o 50º confronto brasileiro contra seleções europeias na história das Copas, e acabou vencendo por 2 x 0, vitória que também igualou os recordes anteriores do próprio Brasil, de Alemanha e Itália, com três vitórias em três confrontos, também ocorridas em 1958 e 1982. O placar de 2 x 0 sobre os russos também marcou a primeira vitória com resultado repetido num confronto de brasileiros com outras seleções até então, fato repetido duas vezes na Copa de 2018, com o mesmo placar, porém contra outros adversários. Começávamos melhor do que esperávamos, sem muita objetividade, mas com domínio da partida. O segundo compromisso foi com Camarões, e novamente uma boa vitória brasileira: 3 x 0. O Brasil estava classificado. Restava, então, definir a colocação brasileira dentro do grupo. Um empate contra a Suécia dava ao Brasil o direito de disputar as Oitavas de Final com um dos terceiros colocados classificados pelo índice técnico, que seria, teoricamente, um adversário mais fraco. Esse jogo, aliás, foi o sexto confronto entre as duas seleções na história das Copas, estabelecendo novo recorde que seria batido ainda nesta Copa. O Brasil começou perdendo por 1 x 0, mas chegou ao final do jogo com um empate 1 x 1, classificando-se em primeiro lugar. O gol do jogador brasileiro Romário foi o 20º gol do Brasil sobre a Suécia, tornando-se a única seleção a alcançar tal marca em confrontos de Copa do Mundo. E o placar de 1 x 1, assim como no jogo contra os russos, foi o único empate repetido nos confrontos do Brasil com outras seleções na História das Copas.

A Rússia, com os 6 x 1 sobre Camarões, protagonizou a maior goleada e a partida com maior número de gols desta Copa. Graças a esta vitória, o russo Salenko conseguiu a artilharia do torneio com 6 gols e quebrou um recorde que durava desde 1938, ao anotar 5 gols em um único jogo, recorde este que ainda não foi superado. O terceiro gol russo sobre Camarões, marcado em cobrança de pênalti por Salenko, tornou-se a primeira marca de três gols de pênalti sofridos por uma seleção africana na História das Copas. Ainda sobre este jogo, novamente o camaronês Roger Milla quebrou o recorde como jogador mais velho a fazer gol em Copa, além de jogador mais velho a entrar em campo, marca essa que ocupa hoje a terceira posição. Aos 42 anos e 39 dias, Milla anotou o único gol de Camarões na partida, superando o recorde de 38 anos, estabelecido por ele mesmo, em 1990. E o gol que deu números finais ao marcador, de Dmitriy Radchenko, foi o décimo gol dos russos sobre a seleção de Camarões na História das Copas.

Pelo Grupo A, a primeira decepção. Com apenas uma vitória, a seleção da Colômbia voltou para casa mais cedo, caindo na Primeira Fase. Após a Copa, o zagueiro Andrés Escobar, autor do gol contra que deu a vitória aos EUA e a desclassificação à Colômbia, foi assassinado em seu país, possivelmente, por altos apostadores colombianos. Esse gol, aliás, foi o primeiro gol contra a beneficiar uma seleção da Concacaf na História das Copas.

Pelo Grupo C, o primeiro gol coreano, do jogador Hong Myung-Bo, diminuindo a vantagem da Alemanha para 3 x 1 na última rodada, fez com que Myung-Bo igualasse o recorde de gols de um jogador asiático em uma única partida de Copa do Mundo, até então pertencente ao norte-coreano Pak Seung Zin, na Copa de 1966, e igualado nessa mesma Copa de 1994 pelo árabe Fuad Amin. Ao final, com os 3 x 2 para a Alemanha, a Coreia do Sul chegava a 11 jogos sem vitórias em Copas e desde a estreia, igualando a terceira pior marca, pertencente até então para os uruguaios. Ainda nesse grupo, a Bolívia deixou a Copa após três derrotas, somando 6 jogos sem vencer desde a estreia, em 1930, o pior retrospecto de uma seleção sul-americana e a terceira pior marca no geral. Além disso, por conseguir marcar gol apenas na última rodada da Primeira Fase, através dos pés do jogador Erwin Sánchez, na derrota por 3 x 1 contra a Espanha, a Bolívia registrou a marca negativa de seleção que mais jogos demorou até fazer o primeiro gol em Copas, com 5 jogos sem alterar o zero de seu marcador.

Pelos Grupos D e E, dois sustos. Respectivamente, Argentina e Itália, classificaram-se pela repescagem para as Oitavas de Final.

Os argentinos disputaram sua 50ª partida ao derrotar a Nigéria por 2 x 1, e disputaram o jogo de número 500 da história das Copas na derrota para a Bulgária por 0 x 2. No jogo contra a Nigéria, o jogador Maradona completou 21 jogos em Copas, igualando o recorde vigente à época, mas que figura hoje como a quarta melhor marca. Novamente pelo Grupo D, a vitória por 3 x 0 da Nigéria sobre a Bulgária na primeira rodada marcou a maior goleada de uma seleção africana em Copas, placar igualado posteriormente em outras duas oportunidades, por outras seleções africanas. Ainda no Grupo D, a vitória da Bulgária por 4 x 0 sobre a Grécia, na segunda rodada, marcou a primeira vitória dos búlgaros em Copas, interrompendo uma sequência de 17 jogos sem vencer desde a estreia, a pior marca da História das Copas. Nesse jogo, o jogador búlgaro Hristo Stoichkov anotou dois gols em cobrança de pênaltis, tornando-se o sétimo jogador na História das Copas a conseguir tal feito.

No outro grupo, italianos e mexicanos, ao empatar em 1 x 1, anotavam o 50º confronto entre seleções europeias e da Concacaf na história das Copas. Além disso, a vitória da Itália sobre a Noruega também igualava o recorde de confronto só com vitórias, somando-se as vitórias de 1938 e 1994, assim como os brasileiros já haviam alcançados nesta Copa sobre os russos, sobre suecos, em 1958, e sobre os mexicanos, em 1962, os alemães haviam alcançados sobre chilenos, em 1982, e os próprios italianos haviam alcançado sobre os austríacos em 1990. Um fato inédito marcou o resultado final desse Grupo E. Todas as quatro seleções encerraram a fase com 4 pontos e 0 de saldo de gol. A classificação foi definida pelo número de gols pró e pelo confronto direto, deixando o México, com 3 gols, em primeiro, o Eire, com 2 gols e vitória contra os italianos, em segundo, a Itália, também com 2 gols, em terceiro e com a vaga da repescagem, enquanto a Noruega, com 1 gol apenas, em quarto lugar, foi desclassificada.

Pelo Grupo F, num confronto repleto de novas marcas, a Arábia Saudita venceu Marrocos por 2 x1. Foi o primeiro confronto entre africanos e asiáticos na História das Copas, além da primeira vitória de uma seleção asiática sobre uma seleção africana, onde o jogador saudita Sami Al-Jaber marcou o primeiro gol asiático sobre uma seleção africana e o primeiro gol de pênalti de um jogador asiático em Copas. O jogador Mohammed Chaouch, de Marrocos, empatou o jogo ao marcar o gol de número 1.500 da história dos mundiais, que também foi o primeiro gol de uma seleção africana sobre uma seleção asiática. Nesse mesmo jogo, o saudita Fuad Amin igualou o recorde de gols em uma Copa do Mundo de um jogador asiático, ao marcar o gol da vitória para a Arábia Saudita, seu segundo gol nessa Copa. No primeiro jogo de Marrocos, o holandês Brian Roy, ao anotar o gol da vitória de sua seleção pelo idêntico placar de 2 x 1, anotou também o gol de número 50 de europeus sobre africanos na história das Copas. Ainda nesse grupo, a vitória da Arábia Saudita sobre a Bélgica, na última rodada, tornou-se a primeira sequência de 2 vitórias de uma seleção asiática em Copas, fato repetido posteriormente por outras duas seleções asiáticas.

As Oitavas de Final trouxeram um novo recorde. Pela primeira vez, quatro seleções não pertencentes ao eixo Europa/América do Sul se classificavam: Nigéria, Arábia Saudita, México e EUA.

O adversário brasileiro foram os donos da casa. Brasil e EUA se enfrentaram pela primeira vez em uma Copa. O jogo foi no dia 4 de julho, dia em que se comemora a independência nos EUA. Num jogo difícil, de placar apertado, o Brasil venceu os anfitriões por 1 x 0. Deixávamos para trás o vexame de 1990, e passávamos para as Quartas de Final.

Os argentinos, nossos carrascos na Copa anterior, após mais um caso de doping do jogador Maradona, perderam por 2 x 3 para a Romênia e deixaram a Copa.

A Itália passava pela Nigéria na prorrogação por 2 x 1, após um empate em 1 x 1 no tempo regulamentar. O gol da vitória italiana, marcado pelo jogador Roberto Baggio, estabeleceu um novo recorde de gols em prorrogação para uma seleção, com 6 gols marcados pelos italianos no tempo extra, recorde que ainda pertence aos italianos, porém com 8 gols atualmente, ao lado dos alemães.

Bulgária e México, as duas seleções que mais jogos permaneceram sem vencer em Copas, fizeram uma Oitava de Final igual, inclusive no placar de 1 x 1. Nos pênaltis, os búlgaros avançaram.

A Alemanha, num grande jogo contra a Bélgica, venceu por 3 x 2 e alcançou a próxima fase. Holanda e Espanha passaram por seus adversários com certa facilidade.

Nossos adversários nas Quartas de Final eram os fortes holandeses. Aliás, das sete seleções que compunham as Quartas de Final, apenas o Brasil não pertencia à Europa. No jogo que por muitos foi considerado o melhor jogo brasileiro da Copa, o Brasil iniciou fazendo 2 x 0 no placar. Cedemos o empate mais marcamos mais um antes do final do jogo. Placar final: Brasil 3 x 2 Holanda. Depois de 16 anos, o Brasil voltava a disputar uma Semifinal.

A Bulgária venceu a Alemanha por 2 x 1, quebrando uma sequência de 11 jogos invictos dos alemães, desde o início da Copa anterior. Era a segunda maior sequência, atrás apenas das seleções brasileiras de 1958, 1962 e 1966, com 13 jogos invictos. Atualmente, a marca alemã figura na terceira posição.

Itália e Suécia também estavam classificados e nenhum dos pré favoritos alcançaram as Semifinais. Os italianos despacharam os campeões olímpicos espanhóis e os suecos, a surpreendente Romênia.

O jogo da Semifinal entre Brasil e Suécia marcou três curiosidades interessantes. Primeiro, estabeleceu o novo recorde de confronto entre duas seleções na História das Copas, com o sétimo encontro entre ambas, sendo que em nenhum dos seis anteriores a Suécia venceu o Brasil. Segundo, repetiu um mesmo confronto dentro da mesma Copa pela quarta vez na história, se desconsiderarmos os jogos de desempate. Terceiro, tornou-se o confronto recorde em que um país se manteve invicto em relação ao adversário; em sete jogos, o Brasil nunca perdeu para a Suécia em Copa do Mundo. Ao final, o Brasil venceu por 1 x 0, mantendo a invencibilidade sobre o adversário e classificando-se para a Final, fato que não ocorria desde nosso terceiro título, em 1970. Nosso adversário, a mesma Itália, finalista naquela ocasião.

A Bulgária foi desclassificada pela Itália na Semifinal, ao ser derrotada por 2 x 1. Mas o jogador búlgaro Hristo Stoichov, ao dar números finais ao placar, marcou seu terceiro gol de pênalti nessa Copa, a segunda melhor marca da História, igualando o holandês Johan Neeskens, em 1974, e atrás apenas do português Eusébio, em 1966, e de outro holandês, Rob Rensenbrink, em 1978, ambos com 4 gols de pênalti.

Na disputa do 3º Lugar, a seleção búlgara perdeu para a Suécia por 4 x 0. Mesmo assim, a quarta colocação foi a melhor da história da seleção búlgara, que alcançou, nesta Copa, sua primeira vitória na história. Com a vitória imposta sobre a Bulgária, a Suécia terminou a Copa como o melhor ataque, com 15 gols em 7 jogos. A Noruega, desclassificada na Primeira Fase com apenas um gol sofrido, igualou-se a Escócia, em 1974, Camarões e Inglaterra, em 1982, e Brasil, em 1986, com o menor número de gols sofridos em uma Copa até então.

O estádio Rose Bowl, em Los Angeles, recebeu a Final que envolvia o maior número de títulos conquistados entre os finalistas até então. Brasil e Itália eram tricampeões. Era, também, o quinto confronto entre brasileiros e italianos, que nunca se enfrentaram pela Primeira Fase, e a segunda final repetida, já que a primeira foi em 1990, entre Argentina e Alemanha. Mais do que isso, Brasil e Itália definiriam quem seria o primeiro tetracampeão, assim como em 1970, quando ambos decidiram quem seria o primeiro tricampeão.

O jogo foi tenso, com a iniciativa de jogo tomada pelo Brasil. No segundo tempo, uma bola na trave da Itália por pouco não decidiu a partida em favor dos brasileiros. Acabou o tempo regulamentar em 0 x 0. Os italianos encararam pela 7ª vez na História das Copas o tempo extra, o segundo nessa Copa, superando a marca dos alemães estabelecida na Copa passada. Na prorrogação, ambas as seleções davam a impressão de que preferiam decidir o título nos pênaltis. E foi isso que aconteceu. Pela primeira vez, uma Final de Copa do Mundo terminava em 0 x 0 e pela primeira vez o título seria decidido nos pênaltis. Assim como a França havia disputado a primeira prorrogação, em 1934, e a primeira decisão por pênaltis em um jogo de Copa do Mundo, em 1982, a Itália, que havia participado da primeira Final com prorrogação, também em 1934, agora participava da primeira Final decidida nos pênaltis. Mas a estrela que brilhou foi a do criticado goleiro brasileiro Taffarel, que defendeu dois pênaltis, dando ao Brasil o quarto título de sua história, após o pênalti desperdiçado pelo jogador italiano Roberto Baggio.

Curiosamente, o Brasil, que tinha sido um dos responsáveis pelo primeiro 0 x 0 na história das Copas jogando contra a Inglaterra em 1958, também era um dos responsáveis pela primeira final terminada em 0 x 0. Outro fato curioso foi que, assim como em 1982, quando a Itália empatou com a Polônia na fase inicial e venceu a mesma Polônia nas Semifinais, tornando-se, mais tarde, a campeã, nesta Copa o Brasil empatou com a Suécia na Primeira Fase e venceu os suecos na fase Semifinal, ficando campeão ao final do torneio.

Nesta Copa tivemos 52 jogos, com 141 gols, média de 2,71 gols por jogo, melhorando um pouco em comparação aos dois últimos mundiais. A média de público, porém, bateu o recorde estabelecido no Brasil, em 1950, com 68.991 espectadores.

O Brasil partiu para a França como o único tetracampeão da história até então.