História da Copa do Mundo de 1954
Suíça, 1954 – A segunda derrota do futebol arte
A Copa voltava a Europa pela primeira vez após a guerra. E pela segunda vez, assim como em 1934, não houve desistências - fato que não mais ocorreu em Copas seguintes. De um total de 45 seleções inscritas, 16 garantiram sua participação: Brasil e Uruguai, campeão e vice de 1950. pela América do Sul; México, pela Concacaf; a estreante Coreia do Sul, representando a Ásia; Alemanha Ocidental, separada no pós-guerra em Ocidental e Oriental, Áustria, Bélgica, França, Hungria, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, Suíça, Tchecoslováquia e as estreantes Escócia e Turquia, pela Europa. A Coreia do Sul era o primeiro país da Ásia a participar de uma Copa do Mundo. Foram 3 estreantes, 6 seleções que retornaram após a ausência em Copas anteriores e 7 seleções que participaram de forma consecutiva.
Separadas, na Primeira Fase, em quatro grupos com quatro seleções, pela primeira vez os dois melhores classificados de cada grupo passavam para a fase seguinte. Porém, diferentemente de 1950, cada seleção não enfrentava as outras três do grupo. Haviam dois cabeças de chave que jogaram apenas dois jogos, como compromissos de cada seleção na Primeira Fase. Caso necessitasse, haveria jogo de desempate para apontar o segundo colocado.
A seleção brasileira foi completamente reformulada após a derrota em 1950. Até mesmo o uniforme, que até 1950 era branco, foi redesenhado com as cores amarela (camisa) e azul (calção), que figuram até hoje em nossa seleção. O Brasil estreou, mais uma vez, goleando o México por 5 x 0, a terceira maior goleada brasileira na história das Copas, perdendo apenas para os dois jogos da Copa anterior. O segundo jogo brasileiro foi contra a Iugoslávia, marcado como o primeiro confronto a se repetir três vezes na história das Copas e em Copas distintas (1930, 1950 e 1954). O empate em 1 x 1 levou o Brasil a fase seguinte. Nosso adversário era a mágica seleção da Hungria, campeã olímpica em 1952, comandada pelo capitão Puskas, um dos maiores nomes da história do futebol mundial.
Ainda no grupo do Brasil, a França se despedia da Copa logo na Primeira Fase, após perder para a Iugoslávia, no primeiro jogo, e vencer o México, no segundo jogo. Nessa vitória por 3 x 2 dos franceses, dois gols tornaram-se marcantes: o segundo gol francês, abrindo 2 x 0 no placar, foi um gol contra do jogador mexicano Raúl Cárdenas, tornando o México a primeira seleção a marcar 2 gols contra na História das Copas; e o gol que desempatou e deu números finais ao jogo foi marcado em cobrança de pênalti pelo jogador Raymond Kopa, sendo o primeiro gol de pênalti sofrido por uma seleção da Concacaf.
A Hungria de Puskas passava pela Primeira Fase com duas incríveis goleadas. Venceu a fraca Coreia do Sul por 9 x 0, estabelecendo a maior goleada dessa Copa, e batendo o recorde de Uruguai e Suécia, de Copas anteriores, recorde este que só seria superado em 1982, pela própria Hungria. Além disso, foi a maior goleada sofrida por uma seleção asiática em Copas e o jogo com maior número de gols com a participação de uma seleção asiática. Também derrotou a truculenta seleção alemã por 8 x 3, numa partida que igualou em número de gols ao confronto entre Brasil e Polônia, de 1938, com 11 gols. Igualou, também, no recorde de gols marcado por um jogador em um único jogo até então; Sándor Kocsis anotou 4 gols para a Hungria apenas nesse jogo, assim como já havia feito o polonês Wilimowsky, em 1938, e o brasileiro Ademir de Menezes, em 1950. Kocsis também se tornou o primeiro jogador a marcar ao menos três gols em duas partidas de Copa do Mundo, já que havia feito três gols na goleada sobre os sul-coreanos. Apenas outros três jogadores alcançaram essa marca na História das Copas.
A Alemanha, com essa derrota, necessitou de um jogo extra contra a Turquia para classificar em segundo lugar no grupo. Havia vencido o primeiro jogo por 4 x 1 e repetiu a vitória no segundo jogo, desta vez por 7 x 2, sendo a única seleção na história a marcar mais de 10 gols em outra numa mesma Copa. O sexto gol alemão, que marcava 6 x 1 no placar, marcado pelo jogador Max Morlock, foi o gol de número 400 em Copas e o 10º gol alemão sobre a seleção turca. A Coreia do Sul, derrotada com outra goleada pela Turquia, 7 x 0, deixava o Mundial como a seleção que mais sofreu gols em uma só Copa, com 16 gol sofridos e a incrível (e, até hoje, inigualável) média de 8 gols sofridos por jogo. O atacante sul-coreano Kook Chin Chung é o jogador mais velho do continente asiático a jogar em uma Copa, ao entrar em campo nessa derrota para os Turcos, aos 37 anos e 171 dias de vida.
O Uruguai voltou a golear nessa Copa, desta vez por 7 x 0 sobre a Escócia, sobre o Grupo C. Foi a maior goleada sofrida por uma seleção europeia em Copas.
Pelo Grupo D, Bélgica e Inglaterra empataram em 4 x 4, no jogo em que o belga Leopold Anoul, ao abrir o placar, anotou o gol de número 100 nos confrontos entre seleções europeias em Copas. Foi o empate com o maior número de gols registrados na história das Copas, apenas igualado em 1962. Nesse grupo também houve a necessidade de jogo de desempate, que classificou a Suíça, ao derrotar a Itália por 4 x 1.
Nas Quartas de Final, o Brasil enfrentou a Hungria. A habilidade e rapidez dos húngaros levaram o marcador a 2 x 0 em seu favor antes mesmo dos primeiros 8 minutos de jogo. O Brasil descontou perto do final do primeiro tempo, 1 x 2, naquele que foi o primeiro gol brasileiro e de uma seleção sul-americana de pênalti em Copas, convertido pelo jogador Djalma Santos. Os gols do primeiro tempo repetiram no segundo tempo, terminando o jogo em 4 x 2 para o time húngaro, sendo que o gol que diminuiu para os brasileiros o placar para 2 x 3, anotado pelo jogador Julinho Botelho, foi o 50º gol brasileiro em Copas, enquanto que o quarto gol dos húngaros, anotado por Sándor Kocsis, foi o de número 50 de europeus sobre sul-americanos em Copas. O Brasil estava fora da Copa em um jogo marcado pela violência brasileira em campo. Pior que isso, após a partida, uma vergonhosa batalha entre brasileiros e húngaros ocorreu nos vestiários. Era o fim vexatório da participação brasileira em 1954. A derrota imposta pela Hungria figurou como a maior da história da seleção brasileira em Copas até a final de 1998, já que nunca havia sofrido derrota superior a dois gols de diferença. Além disso, a desclassificação derrubou o Brasil para o 3º posto no ranking das Copas, devido a ascensão do Uruguai, 3º colocado na Copa, para o primeiro posto do ranking, deixando a Itália em 2º lugar.
Em outra partida válida pelas Quartas de Final, Áustria e Suíça estabeleceeram o atual recorde de gols em uma única partida, superando Brasil e Polônia, em 1938, e Hungria e Alemanha, nessa mesma Copa; placar final Áustria 7 x 5 Suíça. Theodor Wagner, da Áustria, ao empatar a partida em 3 x 3 tornava-se o primeiro jogador a marcar o gol de número 100 de uma edição de Copa do Mundo, cifra nunca alcançada em Copas anteriores, mas que seria alcançada novamente na Copa seguinte, em 1958, voltando a ultrapassar 100 gols somente em 1978 e em todas as Copas seguintes a partir de então.
A Alemanha também passava para a Semifinal derrotando a Iugoslávia por 2 x 0, com o primeiro gol contra anotado pelo zagueiro iugoslavo Ivan Horvat, fato este que aconteceria novamente entre as duas seleções em 1998.
No jogo entre Uruguai e Inglaterra, o atacante uruguaio Obdulio Varela, capitão do bicampeonato da Celeste Olímpica, tornou-se o jogador mais velho a marcar um gol em Copas, ao anotar o desempate em 2 x 1, marca quebrada na Copa seguinte, mas que ainda hoje figura como o quinto mais velho jogador a marcar gol em Copas. Varela tinha 36 anos e 279 dias de vida nesse jogo. É, também, o jogador sul-americano mais velho a balançar as redes em uma partida de Copa do Mundo.
Nas Semifinais, os jogos entre Alemanha x Áustria e Hungria x Uruguai foram repletos de gols: 6 x 1 e 4 x 2, respectivamente. Na vitória dos alemães sobre os austríacos, o jogador alemão Fritz Walter foi o primeiro jogador na história das Copas a converter dois gols de pênaltis em um mesmo jogo, ao fazer o terceiro gol, após os austríacos terem diminuído para 2 x 1 o placar, e o quinto gol alemão no jogo, que acabou em 6 x 1.. Ainda é o atual recorde de gols de pênaltis de um jogador em uma partida, tendo sido igualado em outras 7 ocasiões.
No jogo entre húngaros e uruguaios, Sándor Kocsis igualou o feito do brasileiro Leônidas, em 1938, ao anotar os dois gols da Hungria na prorrogação. Os húngaros venceram os atuais campeões, o Uruguai, por 4 x 2, o mesmo placar da vitória sobre o Brasil na fase anterior, porém conseguiram isso apenas após a prorrogação, a única nessa Copa. Essa vitória encerrou a maior invencibilidade em Copas até então, da seleção uruguaia, com 11 jogos invictos em três Copas (1930, 1950 e esta), recorde que seria quebrado pela seleção brasileira três Copas mais tarde. Ainda hoje, é a maior invencibilidade de uma seleção desde sua estreia em Copas.
A decisão do 3º lugar foi o jogo de número 100 na história das Copas e foi vencida pelos austríacos por 3 x 1. Nela, foi registrado o primeiro gol contra de uma seleção sul-americana em Copas. O jogador uruguaio Luis Cruz desempatou em favor da Áustria ao fazer o gol contra que marcou 2 x 1 no placar.
Quis o destino que Alemanha e Hungria vencessem seus jogos na Semifinal, fazendo com que a final repetisse o confronto da Primeira Fase. Era a primeira vez na história das Copas que duas seleções se enfrentavam duas vezes em uma mesma Copa sem que fosse jogo de desempate.
A cidade de Berna foi o palco da decisão. Os húngaros entravam com enorme favoritismo. A Alemanha, com seu futebol pesado, entrava agradecendo aos céus pela chuva que caía naquele dia. Puskas, machucado, jogava no sacrifício.
O começo de jogo da seleção húngara foi tão arrasador quanto contra o Brasil. Em 8 minutos de jogo o placar já marcava 2 x 0 para a seleção de Puskas, com gols do próprio Puskas e de Czibor, este último o décimo gol marcado pelos húngaros sobre os alemães na História das Copas, assim como o ocorrido para os alemães sobre a Turquia na Primeira Fase da Copa. Porém, a chuva forte impedia o desempenho da habilidosa Hungria e favorecia ao jogo pesado da Alemanha. Ao final do primeiro tempo a Alemanha já havia igualado o placar em 2 x 2, com gols de Morlock e Rahn. No segundo tempo, a força física do time alemão alcançou a vitória, de virada, como em três dos quatro primeiros mundiais, através do gol novamente de Rahn. Puskas ainda marcaria antes do final do jogo, porém, numa decisão polêmica da arbitragem, o gol foi anulado. O jogador alemão Helmut Hahn tornava-se o terceiro artilheiro na história das Copas, com 2 gols, marca que seria superada em 1962 e 1966, respectivamente para artilheiros com mais gols em finais e para artilheiros com mais gols em uma final. Hahn ainda é um dos 9 jogadores que marcaram mais de um gol em uma final e um dos 10 jogadores que marcaram mais de um gol em finais.
A Alemanha se consagrava, pela primeira vez, campeã mundial. Era, também, a primeira vez que uma seleção chegava ao título sem manter a invencibilidade durante a Copa, já que o selecionado alemão foi derrotado pela mesma Hungria, por 3 x 8, na Primeira Fase e repetiria essa façanha em 1974, ao sagrar-se novamente campeã não invicta.
A Hungria tornava-se, pela segunda vez, vice-campeã, sua melhor colocação em Copas e a primeira seleção a alcançar pela segunda vez o melhor ataque do torneio. Seu ataque, com 27 gols marcados em 5 jogos, nunca foi igualado ou superado. A média de gols da equipe superava à média do Mundial: 5,4 gols por jogo. O húngaro Sándor Kocsis foi o artilheiro do torneio com 11 gols, a melhor marca de um artilheiro em Copas, mas que seria quebrada na Copa seguinte, permanecendo como a segunda melhor marca até os dias de hoje. Somando-se os 8 gols do primeiro jogo aos 2 gols da final, os húngaros se tornaram a segunda seleção, junto dos próprios alemães nesta Copa, a marcar dois dígitos em gols contra uma mesma seleção numa mesma Copa, fato que a própria seleção húngara repetiria em 1982, desta vez em um único jogo.
No final de mais uma derrota do futebol arte, restava o consolo de ter sido o Mundial com a melhor média de gols da história: 5,38 gols por jogo. Foram 26 jogos com 140 gols anotados. Das 10 maiores goleadas da História das Copas, 3 aconteceram nessa Copa. Dos 10 jogos com mais gols em Copas, 4 aconteceram nessa Copa. Além disso, um dos dois maiores empates em Copas também ocorreu nessa Copa. A média de público melhorava em relação aos primeiros mundiais com 36.269 espectadores; porém, ficava bem abaixo da marca estabelecida no Brasil, em 1950.